sábado, 20 de junho de 2009

O COMÉRCIO DE ESCRAVOS



A escravatura e o trabalho escravo já existiam em África antes da chegada dos europeus, mas com características completamente diferentes daquelas que foram adoptadas por estes no séc. XV.O tipo de escravatura encontrada em África estava dentro do território africano, onde o es cravo era uma força adicional na agricultura, na medida em que a agricultura constituía a principal actividade económica. O escravo era integra do como membro da família e dispunha de benefícios económicos resultantes do trabalho que realizava e, ao fim de pouco tempo, tinha direito à liberdade .
Com a chegada dos povoadores, maioritária mente portugueses, começou também o fluxo de escravos africanos a S. Tomé. Havia, por um lado, os chamados escravos de «quarto», cuja fixação na ilha era de carácter permanente. Alguns destes ocupavam-se com as tarefas domésticas, outros trabalhavam nas obras e tarefas rurais . Segundo o piloto português, o trabalho escravo em S.Tomé era organizado da seguinte forma: «cada habitante compra escravos negros com suas negras... e os emprega aos casais em cultivar a terra para fazer as plantações e extrair açúcares. E há homens ricos que possuem cento e cinquenta, duzentos e até trezentos entre negros e negras, os quais têm obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, excepto ao sábado, que trabalham para si, e nestes dias semeiam milho saburro, as raízes de inhame e muitas hortaliças oficiais...». Este autor acrescenta ainda que «o senhor não dá coisa alguma àqueles negros, eles trabalham toda a semana para ele e o sábado só para si; nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes construir choupanas, porque eles por si mesmo fazem todas estas coisas...» .
Como provavelmente havia uma percentagem relativamente grande de mulheres entre os escravos do tipo doméstico, é muito sugestivo atribuir-lhes um papel chave para a crioulização, tanto mais quanto sabemos que a miscigenação foi desde sempre uma realidade bem presente em São. Tomé.
Por outro lado, havia os chamados escravos de «resgate», importados das zonas costeiras do continente africano e geralmente despachados como mercadoria para a feitoria da Mina, situada no actual Ghana, junto à foz do Rio Pra. Estes escravos permaneciam em S. Tomé por um período de tempo que em princípio não de via exceder os cinquenta dias, mas devido aos atrasos no embarque verifica-se que na realidade era comum permanecerem na ilha durante largos meses até seguirem como moeda de troca para a Mina . Durante estas estadias alarga das dos escravos, os plantadores empregavam-nos nas suas fazendas como mão-de-obra temporária. Ignoramos qual poderá ter sido o papel destes escravos para o processo de crioulização, por exemplo no contexto dos microcosmos de cada fazenda e nos macrocosmos da ilha.
Segundo Vogt (1973:456), o tráfico de escravos de S. Tomé para o posto comercial S. Jorge da Mina teve início antes da viragem para o século XVI. Para os mercadores do forte, a aquisição desses escravos era fundamental para o transporte de ouro que então se verificava nessas estâncias. A venda destes escravos, por sua vez, permitia aos comerciantes santomenses a importação de diversos bens de que carecia a ilha.
Mas nessa primeira fase, a carreira directa entre a Benin-Mina (donde provinha então o grosso dos escravos), deve ter prevalecido sobre a carreira triangular Benim - S.Tomé - Mina.
O testamento de Álvaro de Caminha, datado de 1499, mostra que muitos escravos importados por S. Tomé eram aí retidos para pagar os soldos aos primeiros povoadores. Sabe-se que nos cinco anos que vão até 1499, 930 escravos foram gastos em soldos e uns 150 ficavam ainda por despender .
A retenção dos escravos fazia todo o sentido à luz do próprio processo de povoamento, que requeria obras, o desbravamento de floresta, o cultivo de produtos, etc.
A posição de S. Tomé e Príncipe como entre posto no tráfico de escravos terá gradualmente ganho terreno a partir de 1500. Numa carta de 1499 ao rei de Portugal, Pero Álvaro de Caminha pede um navio complementar para o resgate de escravos e marfim, expondo que assim «haverá Vossa Alteza muito proveito de quartos, porque [os navios] não farão senão trazer e os [navios] de Vossa Alteza mandar à Mina, espero que seja tanto o proveito que não será necessário vossos navios [da Mina] descerem ao rio dos Escravos senão se for à pimenta.» .
Esta passagem mostra que S.Tomé, uma vez deixadas para trás as preocupações de povoamento, está preparado para um novo desafio na forma da aquisição dos direitos exclusivos sobre o tráfico de escravos.
Mesmo não tendo conseguido logo estes direitos, o papel de intermediário devia estar a ganhar cada vez mais expressão. Esta ideia é corroborada por Valentim Fernandes, que refere que em 1506 já havia cinco a seis mil escravos de resgate na ilha.
Mas foi só a partir de 1515 que o abaste cimento de escravos para a Mina passou a ser um exclusivo dos donatários das ilhas de Príncipe e S.Tomé, que tinham contratos a prazo com o rei de Portugal. A partir dessa altura, todo o tráfico de escravos no Golfo da Guiné passava obrigatoriamente pelas ilhas antes de seguir para a Casa da Mina.
Igualmente importantes são o estabelecimento de relações amigáveis entre Portugal e o reino do Congo, em 1483, e o facto de, a partir de 1493, S. Tomé ter recebido luz verde para a obtenção de escravos na região que ia do Rio Real, situado na fronteira entre a Nigéria e os Camarões, até ao Congo. Por volta de 1506, Duarte Pacheco Pereira relata no entanto que não se resgatavam muitos escravos dessa região, o que faz jus à sua observação que, nos finais do século XV e princípios de XVI, muitos «cativos» vinham do Benin .
À medida que o século XVI ia avançando, o eixo de gravidade do comércio esclavagista desloca va-se para Sul. Ao que tudo indica, primeiro para o Congo e posteriormente também para a região que abrange a actual Angola. Nessa altura, S.Tomé e Príncipe já se tinha transformado num grande entreposto atlântico, abastecendo não só o mercado da Mina e de Lisboa, como também as sociedades coloniais emergentes nas Américas, que começavam a absorver grandes quantidades de mão-de-obra para o trabalho intensivo e duro nas plantações da cana sacarina.A esse propósito, o grande geógrafo, poeta, sociólogo e professor Francisco José Tenreiro, diria na sua conceituada obra “A Ilha de S. Tomé” que “ a situação privilegiada da ilha, primeiro na rota da Índia e, mais tarde, entreposto entre a costa ocidental de África e a América do Sul, facilitou contactos de raças, de culturas e de produtos. Foi, na realidade, desde o final do século XV, uma das grandes encruzilhadas do Mar-Oceano onde se encontraram homens, negros e brancos, de diferentes proveniências e com estilos de vida diferenciados, e se misturaram plantas do Mediterrâneo, de África, da Ásia quente e chuvosa e da América do Sul...”
Informava ainda o autor que “ a ilha foi campo de ensaio de culturas, no sentido mais amplo que a esta palavra se pode atribuir. Além de portugueses da Metrópole, que traziam consigo as formas de um estilo de vida desenvolvido no mundo mediterrâneo e sob a influência da tonalidade oceânica, também madeirenses, com a sua experiência do fabrico do açúcar e de ocupação de terras virgens, e estrangeiros, como Genoveses e Franceses, técnicos também do açúcar ou mercadores. Ali arribaram ainda, embora em contactos frustes, os Holandeses no decorrer do século XVII. Da costa africana, elementos negros, introduzidos como escravos, e que, dada a enorme latitude que o resgate teve para as populações de São Tomé, constituíam os mais variados tipos raciais: Sudaneses e Guineenses primeiro, Bantos ou Sul-Africanos mais tarde. Todos eles trouxeram contribuição fragmentária, dado até a forma compulsiva como foram para as ilhas, mas, de qualquer forma, de considerar. Por si próprios constituem umas das mais significativas dádivas culturais. Mais tarde ainda, na segunda metade do século XVIII, também os contactos com as gentes do Brasil: brancos, negros e crioulos que retornam ao golfo da Guiné ou para comerciar ou mesmo para se estabelecerem no reino do Dahomé; São Tomé é ponto de passagem, pelo menos no regresso, dos navios da Baía que demandavam aquelas paragens: isto depois de parte da população de São Tomé a ter abandonado ao tempo da decadência do açúcar e por sua vez se ter baldeado para o nordeste brasileiro”.




Francisco José Tenreiro – “A Ilha de S. Tomé”, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1961, pág. 91.

sábado, 6 de junho de 2009

AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE FIXAÇÃO NA ILHA.

Estátuas dos descobridores e do primeiro donatário da ilha


A primeira tentativa de povoamento na ilha regista-se em 1486, tendo como objectivo a colonização da ilha.Com a adopção do sistema de capitanias nas colónias, a capitania da ilha foi doada a João de Paiva em 24 de Setembro de 1485. Em 16 de Dezembro do mesmo ano, a ilha recebe o foral que concede inúmeros privilégios aos povoadores, como a possibilidade de negociarem livremente os escravos e outras mercadorias, excepto, ouro, pedraria, especiaria e gatos da algália na costa africana. A 11 de Janeiro de 1486 é doada a João de Paiva, em sesmaria, metade da ilha (por ele escolhida), doação que é renovada a 14 de Março por sua filha Mécia de Paiva .


Padrão de descobrimento em Ana Ambó

Para além de tudo indicar ter-se tratado de um projecto mal estruturado, dir-se-ia mesmo improvisado, uma grande contrariedade se levantou desde logo a João de Paiva e à sua gente: a localização da primeira povoação, na praia de Ana Ambó, foi a pior possível, já que era enorme no local o índice de infecções palúdicas e as condições hostis da topografia do terreno.
A 29 de Julho de 1492, o rei D. João II de Portugal fez doação da capitania de S. Tomé a favor do fidalgo da sua corte, D. Álvaro de Caminha Souto Maior, o qual deu com efeito início ao processo de colonização das ilhas de S. Tomé e Príncipe. Em 21 de Novembro e 19 de Dezembro a coroa concede-lhe a jurisdição civil e criminal, a alcadaria-mor da fortaleza que teria de construir e também aumentou os privilégios do foral, que se traduziram na possibilidade de comerciar em Fernão Pó e na costa da Mina (com excepção para o resgate do ouro) e na obrigação de o feitor da Mina lhes comprar a pimenta africana.



No famoso Manuscrito de Valentim Fernandes, escrito entre 1506 e 1510, pode ler-se: “ E foi, com o dito capitão, muita gente de seu grado, por seu soldo, entre os quais foram dois carpinteiros minha casa (real) e morreram lá…E assim mandou o dito Rei, pedra e cal e tijolo e telha para fazerem lá igrejas…” . Dentre os que acompanhavam Álvaro de Caminha, destacava-se não apenas o grande grupo de degredados, indivíduos condenados à morte a quem era dada uma hipótese de sobrevivência em S. Tomé (algo que na prática se convertia em absolutamente improvável, tal a razia que o paludismo então fazia, sobretudo em quem viesse do exterior), mas também “2000 meninos, de 8 anos para baixo, que o dito rei (D. João II) tomou aos judeus castelhanos e os mandou baptizar, dos quais morreram muitos, porém pelo presente serão vivos, entre machos e fêmeas, bem 600” .
Deve dizer-se que Álvaro de Caminha trazia uma verdadeira medida de política, que ilustrava o reconhecimento que Portugal tinha de que, face ao problema de baixo índice demográfico com que então se confrontava e à necessidade de explorar economicamente o território, se tornava imprescindível a miscigenação, pelo que aos novos colonizadores, para além de se garantir o direito de resgate de escravos e outras mercadorias, “se mandou dar a cada um uma escrava para a ter e se dela servir, havendo o principal respeito a se a dita ilha povoar”.

Localizaçao dos dois nucleos,o da esquerda Ana Ambó e o da direita o da cidade de Água Grande

Uma das primeiras medidas do donatário foi transferir a Povoação de Ana Ambó, no noroeste, para o nordeste local onde hoje se encontra, tendo em consideração a capacidade da baía (só muito posteriormente denominada de Ana de Chaves) e a construção de uma igreja matriz, muito embora tenham ficado por salvaguardar determinados aspectos ligados à sua insalu-bridade, porque “os terrenos que lhe ficavam ao pé eram baixos, húmidos e alagadiços e tinham águas encharcadas, lagoas e pântanos; todavia em nada disto se atendeu” . A intenção era a de lançar as estruturas de uma futura cidade, a partir da pequena Povoação (na língua nativa Povoaçom ou, por corruptela, Poçom, como foi desde então chamada), na época, o único centro de concentração urbana do território.

DESCOBERTA DA ILHA DE SÃO TOMÉ E A SUA LOCALIZAÇÃO GEOGRAFICA.

Localização Geográfica das ilhas

O arquipélago de S.Tomé e Príncipe é constituído pelas ilhas de S.Tomé, do Príncipe (cerca de 140 km a noroeste) e ainda por vários ilhéus como das Rolas (o único habitado), Cabras, Santana, Quixibá, Gabado e alguns afloramentos vulcânicos como as sete pedras e o boné de Joker. As ilhas ocupam uma área de 1001km2 tendo a ilha de S.Tomé 859 km2 e a do Príncipe 142 km2.
O arquipélago localiza-se na costa ocidental africana Baía de Biafra no golfo da Guiné, entre 1 grau e 44´de latitude Norte e 0 graus e 1´de latitude Sul, e 7 graus e 28´de longitude Este e 6 graus e 28´de longitude Este. Os países mais próximos são a Nigéria (a cerca de 300 km), a Este o Gabão (a cerca de 300 km e a Nordeste os Camarões e a Guiné Equatorial (a cerca de 250 km)
Encontrada provavelmente no ano de 1470 pelos navegadores da casa real portuguesa, data esta que difere na opinião de vários historiadores, visto não existirem documentos que se refiram a ela com precisão.

Geralmente apoia-se na tese de Lopes de Lima (enunciada em 1844) que, com base no método de atribuição do nome dos santos festejados no calendário das descobertas, nos indica os dias e meses deste descobrimento. Assim, a ilha de S.Tomé teria sido descoberta a 21 de Dezembro e a do Príncipe (antes Santo António /Santo Antão) a 17 de Janeiro do ano seguinte.
O descobrimento da ilha é atribuído a Pêro Escobar e João de Santarém, navegadores que estavam ao serviço de Fernão Gomes, um rico comerciante de Lisboa, arrendatário do comércio da Guiné por cinco anos, cuja missão objectivo era explorar anualmente cem léguas da costa a sul da Serra Leoa.
Cartografia das ilhas no final sec.XV

A ilha de S. Tomé foi, nos finais do século XV, erigida em capitania, tendo sido enviado para a povoar João de Paiva, a coberto da carta régia de 24 de Setembro de 1485 (a primeira que se expediu a respeito da colonização em S.Tomé), a qual facultava grandes vantagens e liberdades aos primeiros colonizadores, “podendo eles resgatar escravos e outras quaisquer mercadorias na costa banhada pelas águas do golfo de Benim” .
O arquipélago possui relevo acidentado, resultado da sua origem vulcânica (3 milhões de anos), sendo por isso constituídas principalmente por basalto com picos que alcançam 1.500 metros, sendo o ponto mais elevado, o Pico de S. Tomé, situado a 2.024 metros acima do nível do mar. A maior parte do País situa-se contudo abaixo dos 800 m. Existem abundantes cursos de água que, de forma radial, descem os picos em direcção ao litoral, formando várias cascatas.
O clima é tropical húmido, com duas estações: o período mais frio e seco (designado por gravana) acontece entre Junho e Setembro. A época das chuvas vai de Outubro a Maio. Nos meses de Janeiro e Fevereiro regista-se igualmente um período de abrandamento da temperatura e de menor precipitação, designado por gravanito. A pluviosidade média anual oscila entre os 2.000 e os 3.000 mm anuais, mas pode alcançar 7.000 mm nas florestas de neblina. A temperatura média anual é de 26ºC.