A escravatura e o trabalho escravo já existiam em África antes da chegada dos europeus, mas com características completamente diferentes daquelas que foram adoptadas por estes no séc. XV.O tipo de escravatura encontrada em África estava dentro do território africano, onde o es cravo era uma força adicional na agricultura, na medida em que a agricultura constituía a principal actividade económica. O escravo era integra do como membro da família e dispunha de benefícios económicos resultantes do trabalho que realizava e, ao fim de pouco tempo, tinha direito à liberdade .
Com a chegada dos povoadores, maioritária mente portugueses, começou também o fluxo de escravos africanos a S. Tomé. Havia, por um lado, os chamados escravos de «quarto», cuja fixação na ilha era de carácter permanente. Alguns destes ocupavam-se com as tarefas domésticas, outros trabalhavam nas obras e tarefas rurais . Segundo o piloto português, o trabalho escravo em S.Tomé era organizado da seguinte forma: «cada habitante compra escravos negros com suas negras... e os emprega aos casais em cultivar a terra para fazer as plantações e extrair açúcares. E há homens ricos que possuem cento e cinquenta, duzentos e até trezentos entre negros e negras, os quais têm obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, excepto ao sábado, que trabalham para si, e nestes dias semeiam milho saburro, as raízes de inhame e muitas hortaliças oficiais...». Este autor acrescenta ainda que «o senhor não dá coisa alguma àqueles negros, eles trabalham toda a semana para ele e o sábado só para si; nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes construir choupanas, porque eles por si mesmo fazem todas estas coisas...» .
Como provavelmente havia uma percentagem relativamente grande de mulheres entre os escravos do tipo doméstico, é muito sugestivo atribuir-lhes um papel chave para a crioulização, tanto mais quanto sabemos que a miscigenação foi desde sempre uma realidade bem presente em São. Tomé.
Por outro lado, havia os chamados escravos de «resgate», importados das zonas costeiras do continente africano e geralmente despachados como mercadoria para a feitoria da Mina, situada no actual Ghana, junto à foz do Rio Pra. Estes escravos permaneciam em S. Tomé por um período de tempo que em princípio não de via exceder os cinquenta dias, mas devido aos atrasos no embarque verifica-se que na realidade era comum permanecerem na ilha durante largos meses até seguirem como moeda de troca para a Mina . Durante estas estadias alarga das dos escravos, os plantadores empregavam-nos nas suas fazendas como mão-de-obra temporária. Ignoramos qual poderá ter sido o papel destes escravos para o processo de crioulização, por exemplo no contexto dos microcosmos de cada fazenda e nos macrocosmos da ilha.
Segundo Vogt (1973:456), o tráfico de escravos de S. Tomé para o posto comercial S. Jorge da Mina teve início antes da viragem para o século XVI. Para os mercadores do forte, a aquisição desses escravos era fundamental para o transporte de ouro que então se verificava nessas estâncias. A venda destes escravos, por sua vez, permitia aos comerciantes santomenses a importação de diversos bens de que carecia a ilha.
Mas nessa primeira fase, a carreira directa entre a Benin-Mina (donde provinha então o grosso dos escravos), deve ter prevalecido sobre a carreira triangular Benim - S.Tomé - Mina.
O testamento de Álvaro de Caminha, datado de 1499, mostra que muitos escravos importados por S. Tomé eram aí retidos para pagar os soldos aos primeiros povoadores. Sabe-se que nos cinco anos que vão até 1499, 930 escravos foram gastos em soldos e uns 150 ficavam ainda por despender .
A retenção dos escravos fazia todo o sentido à luz do próprio processo de povoamento, que requeria obras, o desbravamento de floresta, o cultivo de produtos, etc.
A posição de S. Tomé e Príncipe como entre posto no tráfico de escravos terá gradualmente ganho terreno a partir de 1500. Numa carta de 1499 ao rei de Portugal, Pero Álvaro de Caminha pede um navio complementar para o resgate de escravos e marfim, expondo que assim «haverá Vossa Alteza muito proveito de quartos, porque [os navios] não farão senão trazer e os [navios] de Vossa Alteza mandar à Mina, espero que seja tanto o proveito que não será necessário vossos navios [da Mina] descerem ao rio dos Escravos senão se for à pimenta.» .
Esta passagem mostra que S.Tomé, uma vez deixadas para trás as preocupações de povoamento, está preparado para um novo desafio na forma da aquisição dos direitos exclusivos sobre o tráfico de escravos.
Mesmo não tendo conseguido logo estes direitos, o papel de intermediário devia estar a ganhar cada vez mais expressão. Esta ideia é corroborada por Valentim Fernandes, que refere que em 1506 já havia cinco a seis mil escravos de resgate na ilha.
Mas foi só a partir de 1515 que o abaste cimento de escravos para a Mina passou a ser um exclusivo dos donatários das ilhas de Príncipe e S.Tomé, que tinham contratos a prazo com o rei de Portugal. A partir dessa altura, todo o tráfico de escravos no Golfo da Guiné passava obrigatoriamente pelas ilhas antes de seguir para a Casa da Mina.
Igualmente importantes são o estabelecimento de relações amigáveis entre Portugal e o reino do Congo, em 1483, e o facto de, a partir de 1493, S. Tomé ter recebido luz verde para a obtenção de escravos na região que ia do Rio Real, situado na fronteira entre a Nigéria e os Camarões, até ao Congo. Por volta de 1506, Duarte Pacheco Pereira relata no entanto que não se resgatavam muitos escravos dessa região, o que faz jus à sua observação que, nos finais do século XV e princípios de XVI, muitos «cativos» vinham do Benin .
À medida que o século XVI ia avançando, o eixo de gravidade do comércio esclavagista desloca va-se para Sul. Ao que tudo indica, primeiro para o Congo e posteriormente também para a região que abrange a actual Angola. Nessa altura, S.Tomé e Príncipe já se tinha transformado num grande entreposto atlântico, abastecendo não só o mercado da Mina e de Lisboa, como também as sociedades coloniais emergentes nas Américas, que começavam a absorver grandes quantidades de mão-de-obra para o trabalho intensivo e duro nas plantações da cana sacarina.A esse propósito, o grande geógrafo, poeta, sociólogo e professor Francisco José Tenreiro, diria na sua conceituada obra “A Ilha de S. Tomé” que “ a situação privilegiada da ilha, primeiro na rota da Índia e, mais tarde, entreposto entre a costa ocidental de África e a América do Sul, facilitou contactos de raças, de culturas e de produtos. Foi, na realidade, desde o final do século XV, uma das grandes encruzilhadas do Mar-Oceano onde se encontraram homens, negros e brancos, de diferentes proveniências e com estilos de vida diferenciados, e se misturaram plantas do Mediterrâneo, de África, da Ásia quente e chuvosa e da América do Sul...”
Informava ainda o autor que “ a ilha foi campo de ensaio de culturas, no sentido mais amplo que a esta palavra se pode atribuir. Além de portugueses da Metrópole, que traziam consigo as formas de um estilo de vida desenvolvido no mundo mediterrâneo e sob a influência da tonalidade oceânica, também madeirenses, com a sua experiência do fabrico do açúcar e de ocupação de terras virgens, e estrangeiros, como Genoveses e Franceses, técnicos também do açúcar ou mercadores. Ali arribaram ainda, embora em contactos frustes, os Holandeses no decorrer do século XVII. Da costa africana, elementos negros, introduzidos como escravos, e que, dada a enorme latitude que o resgate teve para as populações de São Tomé, constituíam os mais variados tipos raciais: Sudaneses e Guineenses primeiro, Bantos ou Sul-Africanos mais tarde. Todos eles trouxeram contribuição fragmentária, dado até a forma compulsiva como foram para as ilhas, mas, de qualquer forma, de considerar. Por si próprios constituem umas das mais significativas dádivas culturais. Mais tarde ainda, na segunda metade do século XVIII, também os contactos com as gentes do Brasil: brancos, negros e crioulos que retornam ao golfo da Guiné ou para comerciar ou mesmo para se estabelecerem no reino do Dahomé; São Tomé é ponto de passagem, pelo menos no regresso, dos navios da Baía que demandavam aquelas paragens: isto depois de parte da população de São Tomé a ter abandonado ao tempo da decadência do açúcar e por sua vez se ter baldeado para o nordeste brasileiro”.
Com a chegada dos povoadores, maioritária mente portugueses, começou também o fluxo de escravos africanos a S. Tomé. Havia, por um lado, os chamados escravos de «quarto», cuja fixação na ilha era de carácter permanente. Alguns destes ocupavam-se com as tarefas domésticas, outros trabalhavam nas obras e tarefas rurais . Segundo o piloto português, o trabalho escravo em S.Tomé era organizado da seguinte forma: «cada habitante compra escravos negros com suas negras... e os emprega aos casais em cultivar a terra para fazer as plantações e extrair açúcares. E há homens ricos que possuem cento e cinquenta, duzentos e até trezentos entre negros e negras, os quais têm obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, excepto ao sábado, que trabalham para si, e nestes dias semeiam milho saburro, as raízes de inhame e muitas hortaliças oficiais...». Este autor acrescenta ainda que «o senhor não dá coisa alguma àqueles negros, eles trabalham toda a semana para ele e o sábado só para si; nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes construir choupanas, porque eles por si mesmo fazem todas estas coisas...» .
Como provavelmente havia uma percentagem relativamente grande de mulheres entre os escravos do tipo doméstico, é muito sugestivo atribuir-lhes um papel chave para a crioulização, tanto mais quanto sabemos que a miscigenação foi desde sempre uma realidade bem presente em São. Tomé.
Por outro lado, havia os chamados escravos de «resgate», importados das zonas costeiras do continente africano e geralmente despachados como mercadoria para a feitoria da Mina, situada no actual Ghana, junto à foz do Rio Pra. Estes escravos permaneciam em S. Tomé por um período de tempo que em princípio não de via exceder os cinquenta dias, mas devido aos atrasos no embarque verifica-se que na realidade era comum permanecerem na ilha durante largos meses até seguirem como moeda de troca para a Mina . Durante estas estadias alarga das dos escravos, os plantadores empregavam-nos nas suas fazendas como mão-de-obra temporária. Ignoramos qual poderá ter sido o papel destes escravos para o processo de crioulização, por exemplo no contexto dos microcosmos de cada fazenda e nos macrocosmos da ilha.
Segundo Vogt (1973:456), o tráfico de escravos de S. Tomé para o posto comercial S. Jorge da Mina teve início antes da viragem para o século XVI. Para os mercadores do forte, a aquisição desses escravos era fundamental para o transporte de ouro que então se verificava nessas estâncias. A venda destes escravos, por sua vez, permitia aos comerciantes santomenses a importação de diversos bens de que carecia a ilha.
Mas nessa primeira fase, a carreira directa entre a Benin-Mina (donde provinha então o grosso dos escravos), deve ter prevalecido sobre a carreira triangular Benim - S.Tomé - Mina.
O testamento de Álvaro de Caminha, datado de 1499, mostra que muitos escravos importados por S. Tomé eram aí retidos para pagar os soldos aos primeiros povoadores. Sabe-se que nos cinco anos que vão até 1499, 930 escravos foram gastos em soldos e uns 150 ficavam ainda por despender .
A retenção dos escravos fazia todo o sentido à luz do próprio processo de povoamento, que requeria obras, o desbravamento de floresta, o cultivo de produtos, etc.
A posição de S. Tomé e Príncipe como entre posto no tráfico de escravos terá gradualmente ganho terreno a partir de 1500. Numa carta de 1499 ao rei de Portugal, Pero Álvaro de Caminha pede um navio complementar para o resgate de escravos e marfim, expondo que assim «haverá Vossa Alteza muito proveito de quartos, porque [os navios] não farão senão trazer e os [navios] de Vossa Alteza mandar à Mina, espero que seja tanto o proveito que não será necessário vossos navios [da Mina] descerem ao rio dos Escravos senão se for à pimenta.» .
Esta passagem mostra que S.Tomé, uma vez deixadas para trás as preocupações de povoamento, está preparado para um novo desafio na forma da aquisição dos direitos exclusivos sobre o tráfico de escravos.
Mesmo não tendo conseguido logo estes direitos, o papel de intermediário devia estar a ganhar cada vez mais expressão. Esta ideia é corroborada por Valentim Fernandes, que refere que em 1506 já havia cinco a seis mil escravos de resgate na ilha.
Mas foi só a partir de 1515 que o abaste cimento de escravos para a Mina passou a ser um exclusivo dos donatários das ilhas de Príncipe e S.Tomé, que tinham contratos a prazo com o rei de Portugal. A partir dessa altura, todo o tráfico de escravos no Golfo da Guiné passava obrigatoriamente pelas ilhas antes de seguir para a Casa da Mina.
Igualmente importantes são o estabelecimento de relações amigáveis entre Portugal e o reino do Congo, em 1483, e o facto de, a partir de 1493, S. Tomé ter recebido luz verde para a obtenção de escravos na região que ia do Rio Real, situado na fronteira entre a Nigéria e os Camarões, até ao Congo. Por volta de 1506, Duarte Pacheco Pereira relata no entanto que não se resgatavam muitos escravos dessa região, o que faz jus à sua observação que, nos finais do século XV e princípios de XVI, muitos «cativos» vinham do Benin .
À medida que o século XVI ia avançando, o eixo de gravidade do comércio esclavagista desloca va-se para Sul. Ao que tudo indica, primeiro para o Congo e posteriormente também para a região que abrange a actual Angola. Nessa altura, S.Tomé e Príncipe já se tinha transformado num grande entreposto atlântico, abastecendo não só o mercado da Mina e de Lisboa, como também as sociedades coloniais emergentes nas Américas, que começavam a absorver grandes quantidades de mão-de-obra para o trabalho intensivo e duro nas plantações da cana sacarina.A esse propósito, o grande geógrafo, poeta, sociólogo e professor Francisco José Tenreiro, diria na sua conceituada obra “A Ilha de S. Tomé” que “ a situação privilegiada da ilha, primeiro na rota da Índia e, mais tarde, entreposto entre a costa ocidental de África e a América do Sul, facilitou contactos de raças, de culturas e de produtos. Foi, na realidade, desde o final do século XV, uma das grandes encruzilhadas do Mar-Oceano onde se encontraram homens, negros e brancos, de diferentes proveniências e com estilos de vida diferenciados, e se misturaram plantas do Mediterrâneo, de África, da Ásia quente e chuvosa e da América do Sul...”
Informava ainda o autor que “ a ilha foi campo de ensaio de culturas, no sentido mais amplo que a esta palavra se pode atribuir. Além de portugueses da Metrópole, que traziam consigo as formas de um estilo de vida desenvolvido no mundo mediterrâneo e sob a influência da tonalidade oceânica, também madeirenses, com a sua experiência do fabrico do açúcar e de ocupação de terras virgens, e estrangeiros, como Genoveses e Franceses, técnicos também do açúcar ou mercadores. Ali arribaram ainda, embora em contactos frustes, os Holandeses no decorrer do século XVII. Da costa africana, elementos negros, introduzidos como escravos, e que, dada a enorme latitude que o resgate teve para as populações de São Tomé, constituíam os mais variados tipos raciais: Sudaneses e Guineenses primeiro, Bantos ou Sul-Africanos mais tarde. Todos eles trouxeram contribuição fragmentária, dado até a forma compulsiva como foram para as ilhas, mas, de qualquer forma, de considerar. Por si próprios constituem umas das mais significativas dádivas culturais. Mais tarde ainda, na segunda metade do século XVIII, também os contactos com as gentes do Brasil: brancos, negros e crioulos que retornam ao golfo da Guiné ou para comerciar ou mesmo para se estabelecerem no reino do Dahomé; São Tomé é ponto de passagem, pelo menos no regresso, dos navios da Baía que demandavam aquelas paragens: isto depois de parte da população de São Tomé a ter abandonado ao tempo da decadência do açúcar e por sua vez se ter baldeado para o nordeste brasileiro”.
Francisco José Tenreiro – “A Ilha de S. Tomé”, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1961, pág. 91.
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